domingo, 11 de abril de 2010

UMBANDA NÃO É ESPIRITISMO

Para muitos o título desse artigo, “Umbanda não é Espiritismo”, pode parecer algo impróprio, errado, e absurdo, pois consideram a Umbanda como uma forma de Espiritismo.
Devemos lembrar que na prática, no dia-a-dia, podemos misturar ou sincretizar diversas formas do sagrado, como: costumes, ritos, doutrinas, criando outras práticas religiosas que não são a soma dessas crenças, mas outras formas de praticá-las, outras formas de manifestação de fé. Porém, isso não quer dizer que estejamos certos dentro dos preceitos, dos conceitos e dos fundamentos dessas práticas (individualizadas) que misturamos sem a menor cerimônia.
Cada religião tem suas regras e suas normas, sejam elas codificadas ou não. Existem conceitos que devem ser seguidos que caracterizam e individualizam aquela religião, aquela forma doutrinária que, ao misturarmos, estamos quebrando.
Isso acontece, pois existe um conhecimento superficial das religiões misturadas em seu aspecto individual, ou não se leva em consideração suas regras. Assim os indivíduos pegam o que “acham bonitinho”, elevado, bom aos ouvidos, dessa ou daquela tradição, e acaba levando isso para sua casa, e, mais tarde, para o terreiro de Umbanda.
À relação de alguns umbandistas e de algumas formas de Umbanda com o Espiritismo é algo muito curioso. Alguns umbandistas vieram de casas espíritas, pois lá não podiam trabalhar com seus guias (pretos-velhos, caboclos etc.). Pessoas que às vezes passaram 5, 10, 15 anos dentro do Espiritismo e, sem mais nem menos, começaram “a receber“ guias de Umbanda e foram “obrigadas” a se retirar dos centros Espíritas porque o trabalho desses guias não é aceito pela doutrina Espírita.
Algumas dessas pessoas que vieram do Espiritismo acabaram criando, por uma necessidade de trabalho espiritual, suas casas e adotaram como forma doutrinária os livros espíritas e fizeram adaptações para que o trabalho realizado não fosse assim tão incompatível com o Espiritismo. Podemos destacar alguns exemplos, como: a negação de alguns elementos africanos (atabaques, culto aos Orixás, corte ritual, obrigações, confirmações, roupas especiais); não trabalhar com crianças (o espírito infantil, ibeji, não é suportável dentro da doutrina espírita, sendo uma condição que deve ser modificada para uma form adulta); não trabalhar com exus (considerados pelo Espiritismo como obsessores ou “de baixa evolução”) ; não utilizam imagens nem gongá (congá ou peji).
Em outras casas os sacerdotes foram influenciados pela doutrina Espírita e começaram a adotar algumas práticas do Espiritismo (talvez por acharem que o Espiritismo fosse mais “evoluído do que a Umbanda”), mas sem modificar, inicialmente, sua estrutura ritual, ou seja, não retiraram seus gongás e nem as imagerns sincretizadas dos Santos católicos, continuaram trabalhando com o culto aos Orixás só que abolindo o ritual de sacrifício substituindo por comidas e/ou frutas e flores; continuaram com seus atabaques e outros elementos africanos, mas adotaram preces espíritas, leitura de trechos dos livros Espíritas no início das sessões ou no encerramento das mesmas; algumas aboliram total ou parcialmente a utilização de bebidas e de fumo; o trabalho com exus ou foi sendo esquecido, ou continuado, mas sem roupas especiais e com uma dura doutrina encima dessas entidades limitando seu trabalho a sessões reservadas, ou sendo feitas uma vez por ano, ou mesmo só em casos excepcionais. Outros guias como marinheiros, boiadeiros, baianos ou têm o mesmo tratamento dos exus, ou nem são trabalhados.
Algumas casas adotaram um misto de culto onde fazem a Umbanda e o Espiritismo em uma prática conhecida como “mesa branca”. Nessa forma iremos encontrar coexistindo com os guias de Umbanda como pretos-velhos, caboclos e crianças, os ditos espíritos de “grande evolução” como médicos, filósofos, pensadores e outros mais notadamente vistos em sessões Espíritas, sem interação com os guias de Umbanda. Já em outros casos encontramos o que é dito como “mesa branca de Umbanda”, só que nos moldes de uma sessão Espírita, onde os guias de Umbanda como pretos-velhos, caboclos e crianças trabalham na mesa (tudo acontece na mesa e ela passa a ser “o próprio terreiro”), mas não existe presença efetiva de espíritos como médicos, filósofos; as vezes “baixam orientais” para dar passes e fazer curas.
O que podemos notar é que esse misto entre Umbanda e Espiritismo se sustenta em uma linha muito tênue e sua intensidade varia muito. Existindo os casos em que a influência Espírita é só aparente, e não se reflete na forma de culto, indo até àquelas formas em que a Umbanda acaba perdendo terreno e as práticas Espíritas acabam sobressaindo, descaracterizando o culto Umbandista como um todo.
Seriam a Umbanda e o Espiritismo formas tão diferenciadas assim, ou realmente a Umbanda “é uma forma de Espiritismo”?


(***) Para responder à pergunta, temos que ver o que a Umbanda tem em comum com o Espiritismo:
  • A Umbanda é espiritualista; o Espiritismo também;
  • A Umbanda rende culto a Deus; o Espiritismo também;
  • Nas práticas de Umbanda ocorrem fenômenos mediúnicos; no Espiritismo também;
  • A Umbanda aceita a reencarnação e o kharma; o Espiritismo também.
  • Na Umbanda se faz caridade; no Espiritismo também.
  • Na Umbanda existe uma preocupação com o próximo; e no Espiritismo também;
  • A Umbanda existe o auxílio espiritual; e no Espiritismo também;
Agora vamos ver no que a Umbanda tem de incompatível com o Espiritismo:
  • A Umbanda crê na força dos Orixás; o Espiritismo não crê na existência dos Orixás;
  • A Umbanda tem culto, rito e liturgia; o Espiritismo não tem culto nenhum;
  • A Umbanda tem cargo funcional de sacerdote; o Espiritismo não admite cargos sacerdotais;
  • A Umbanda tem práticas de corte e/ou oferendas; o Espiritismo não adota esse tipo de prática;
  • A Umbanda trabalha com elementos materiais, como: velas, ervas, guias ...; o Espiritismo não trabalha com elementos materiais;
  • A Umbanda utiliza símbolos magísticos; o Espiritismo não utiliza nenhum símbolo;
  • A Umbanda trabalha com magia e no trato de desmanches de trabalhos e similares; o Espiritismo não trabalha com magia ou desmanche de trabalhos; (1)
  • A Umbanda trabalha com o sincretismo de formas diversas; o Espiritismo não admite o sincretismo;
  • A Umbanda tem Jesus Cristo como a pessoa de Oxalá (uma divindade); o Espiritismo tem Jesus Cristo como um homem, o médium dos médiuns, e um exemplo de médium a ser seguido;
  • A Umbanda trabalha com guias, espíritos de grande força e saber, divididos em grupos como pretos-velhos, caboclos, baianos, boiadeiros; o Espiritismo não admite o trabalho desses espíritos e os têm como sendo espírito não evoluídos; (2)
  • A Umbanda trabalha com exus que são considerados guardas, executores das leis kármicas; o Espiritismo considera os exus como obsessores e repudia o trabalho desses espíritos; (3)
  • A Umbanda não tem doutrina codificada, admite várias formas doutrinárias diversificadas; o Espiritismo tem sua doutrina codificada nas obras de Allan Kardec e não admite diversidade doutrinária. (4)
Podemos notar que as diferenças entre a Umbanda e o Espiritismo, e somente colocamos algumas, são grandes.
Não somos contra quem exerce o sincretismo Espírito-umbandista, mas temos que salientar que a Umbanda, como uma grande religião, tem que seguir seus próprios passos e ser valorizada em sua cultura, sua doutrina, seus ritos, no saber dos seus guias e em suas práticas.
Não podemos ver um preto-velho como um espírito atrasado só porque alguém assim o definiu pela forma que ele adota, ou pelo trabalho espiritual que ele exerce (suas mirongas).
Devemos ter ouvidos para tentar entender as mensagens que são emanadas pelos guias de Umbanda. Eles têm mensagens lindas, maravilhosas, e não devem ser menosprezadas, só porque saíram da boca de um espírito que foi escravo, e não de um grande médico, filósofo ou intelectual.
A Umbanda mostra que não são necessárias palavras bonitas, rebuscadas e intransponíveis à compreensão comum para um espírito ser considerado evoluído. O que conta e, lamentavelmente é esquecido, é o trabalho que o guia exerce seu carinho, compreensão e humildade no trato com os que necessitam; as palavras simples que saem de sua boca dando o consolo e o apoio ao desesperado; sua força e energia ao curar os doentes; sua sabedoria no trato das magias e na quebra dos trabalhos de magia negra.
A Umbanda é até a última pessoa sair do terreiro, é trabalho, é dedicação, é pé no chão, é suor, é paz, é amor, é luta, é anonimato, é ver a luz onde os outros só vêem as trevas, é ensinar, é se importar com o outro, é ser discriminado, é ter paciência, é sacrifício, é sacerdócio dos mais difíceis e o mais bonito que existe.
[Etiene Sales - Umbandista, formado em Administração de Negócios e pesquisador sobre Umbanda e outras tradições religiosas]


(***) O texto do pesquisador Etiene Sales é brilhante na sua constatação ideológica, mas não espelha o pensamento que norteia a filosofia da Nossa Casa, centro espírita e espiritualista de Porto Alegre, fundada há 37 anos sobre os pilares do Universalismo.
(1) Mesmo sem se utilizar dos artifícios e sincretismos da Umbanda, muitos trabalhos de magia são atendidos em grupos específicos na Nossa Casa (densos), até mesmo porque muitos de seus trabalhadores são oriundos de religiões de origem africana (Umbanda, Nação e Candomblé, e outros).
(2) Os Exús, para a corrente espiritualista da Nossa Casa, representam seres de muita luz, com um alto nível de evolução.

(3) Os Exús são recebidos em trabalhos de grupos na Nossa Casa, apenas sem o ritual de outras religiões. Ali, fazem trabalhos de limpeza e troca de energia.
(4) Como foi dito, a Nossa Casa é uma casa Universalista, e como tal, não discrimina outras correntes doutrinárias, desde que se mantenha a base cristã, e de que sejam seguidas as normas pré-estabelecidas por sua diretoria espiritual.

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