domingo, 8 de agosto de 2010

AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE

Dia dos pais. Pensei numa homenagem. Sentei à frente do computador, acessei este blog e... branco total! O que escrever?
Falar da importância da paternidade na formação do indivíduo seria muito acadêmico (para não dizer babaca) e eu não tenho capacidade para tal; falar do meu pai, minha infância, não mesmo! Histórias, estórias, fábulas, anedotas... ufa! Resolvi dar um tempo. Abri outra janela e fui ver meus e-mails. Bingo! A Rose, minha irmã de grupo (ela mesmo, a generala!) salvou meu dia. Enviou-me um texto do Fabrício Carpinejar que, de certa forma, apresenta um molde de minha personalidade difusa.
Vai aí então, a minha singela homenagem aos papais no seu dia (estou incluído, é claro!).

Por Fabrício Carpinejar
Aos sete anos, projetava que minha vida estaria resolvida aos 37. Administraria somente a felicidade. Dei o prazo de três décadas para não me preocupar. Talvez o paraíso naquela época fosse cabular temas, não ir à escola, muito menos ser submetido às provas. Não mirabolava encargos, superações e dificuldades. Até porque a vida adulta é distante, uma velhice para criança.
Recordo a atmosfera do que imaginava. A sensação de alívio do futuro. A felicidade seria estável e permanente. Era uma fórmula que deveria encontrar e adotá-la no restante dos dias. Algo como a receita de galinha recheada da avó. Uma vez feito o prato, ele se repetiria eternamente.
Não enxergava o estado provisório e fugaz do sentimento, um clarão que nos ajuda a suportar depois o escuro. Hoje entendo que a felicidade é rara, relampeia, olhamos onde estão nossas coisas e seguimos tateando com mais facilidade.
Não sou sinônimo de sucesso. Moro provisoriamente na residência materna, tenho duas separações, sequer possuo algum imóvel. Deixei duas vidas, duas casas, tudo o que construí e acumulei ficou para trás. Caso não tivesse me divorciado, estaria confortável e poderia investir na bolsa de valores. Guardo a biblioteca em centenas de caixas na garagem, não há como consultar os livros. Os rendimentos são subjetivos, provados pelos extratos bancários.
Mas não pretendo ser diferente, não entrarei no apartamento de amigos ricos e fingirei igualdade. Não peço emprestados outros mundos para aliviar o meu. Estou contaminado das manias para mudar.
Apesar da fragilidade, não me coloco como um coitado, uma vítima de decisões erradas. A cada mês, sou obrigado a inventar um salário. É assustador e delicioso. Eu perco meu emprego todos os dias. Enviúvo compromissos e caso com expectativas. A rotina não é interrompida por finais de semana. Domingo e terça-feira são iguais. Não me formei em medicina para justificar plantões, ocupo a família com minhas desocupações.
Espumo águas paradas. Qualquer desastre não é trágico. Qualquer desmemória não é o fim. Sou rápido o suficiente para me digitar de novo. Desde o início. Não desmereço as frases porque já foram escritas.
Os filhos não se acostumaram com a atmosfera instável, acham que sofro à toa e que me alegro ainda mais à toa. A namorada tenta esclarecer as extravagâncias. Na casa dela, não consigo relaxar, banco a faxineira. Passo aspirador, lustro mesas, lavo a louça e dobro as roupas para brincar que é minha casa. Ela enlouquece, mas sua ternura atrapalha a raiva. Sinto saudade de varrer a rua. Saudade não é arrependimento.
Há gente que se gaba em dizer que cumpriu o sonho dos sete anos. Seguiram à risca a ambição de pequenos.
Eu fico com dó da coerência. Desse jogador de futebol que não admitiu a confusão vocacional. Dessa bailarina que não desobedeceu ao contexto. Desse cantor que não reparou na encruzilhada.
Nossa cultura valoriza demais o planejamento. Como se a linha reta fosse uma virtude.
Eu não fui o que minha infância traçou. Aquilo era fantasia. O que sei fazer é recomeçar e frustrar condicionamentos.
Para um escritor, seria uma enorme falta de criatividade ser o que imaginei quando criança.

Um comentário:

  1. Que bom aprovaste o texto e te incluíste. Sinal de que a generala aqui tinha razão ao associar o texto a ti.kkkkkkk De qualquer forma, o Carpinejar é ótimo, na minha modesta opinião.

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