Hoje, enquanto silenciava e meditava, fui visitado por agradáveis lembranças de meu saudoso pai, já há alguns anos promovido para outra dimensão. Sua aparência, gestos, simplicidade, alegria, otimismo e a peculiar capacidade de atrair pessoas para ouvir suas anedotas continuam cada vez mais vivas em minhas recordações.
A ampla varanda, uma extensão da cozinha com uma grande mesa, era parada quase que obrigatória de amigos e pessoas que passavam pelo caminho, conhecidas ou não, que meu pai chamava para um cafezinho, para uma prosa, um copo dágua. Naquele pequeno sítio, adornado com seus encantos, ele dava vazão às expressões de receptividade, próprias de sua bondosa alma mineira. Sítio que pra mim deixou de produzir muito de sua magia ao deixar de ser adubado por aquela peculiar expressão da divindade.
Lembro meu pai enchendo sua charrete de bananas, mandiocas, inhames e outros frutos da Terra para vender na "rua", pois assim nos referíamos à pequena e bucólica cidade de Alto Jequitibá. Geralmente, retornava para casa muito feliz e dizendo que as mulheres da cidade gostavam muito de sua banana, de sua mandioca, o que quase sempre arrancava de minha mãe expressões tais como "véi bôbo e sanhado"...
Herdei mais o pessimismo, a introspecção, o sentimento de desterro, solidão e angústia de minha mãe do que o contagiante otimismo e a alegre leveza de meu pai. Tal herança materna me conduziu a questionamentos existenciais profundos e infindáveis, a sentimentos e pensamentos existencialistas e por vezes niilistas, o que não raro me sobrecarregava com fardos quase insuportáveis. Também me levou a mergulhar no oceano da espiritualidade, no universo dos sentimentos, nos mistérios da psique humana, e a rejeitar abordagens simplistas e superficiais relacionadas ao Grande Mistério e aos mistérios da vida.
Onde morava meu pai, ainda reside parte da minha história, continua sendo o lar de minhas memórias, sentimentos, utopias e devaneios, próprios de minha infância e adolescência. Hoje, ele habita minhas preces, recordações, pensamentos e sentimentos. Quanto mais o tempo passa, mais decantada, purificada e terna torna-se sua imagem projetada do meu coração à tela de minhas memórias; mais angelical e divinizado o sinto e o vejo.
Nem sempre cultivei, em relação ao meu pai, sentimentos nobres, de respeito e de amorosidade. Entretanto, com o passar do tempo e com a expansão da minha consciência, perdoei a mim mesmo, presenteei-me com novos olhares e refiz conceitos. Despi-me do orgulho e dos julgamentos e trabalhei em mim o esvaziamento que possibilita o acolhimento amoroso. Permiti, assim, que sua imagem passasse a surgir cada vez mais beatificada na tela dos meus pensamentos. Isso, para a alegria e paz do meu próprio coração. Quanto mais me limpo, mais agradáveis tornam-se as lembranças!
O mestre Jesus referia-se a Deus como "meu Pai" ainda que também se percebesse como "filho do homem". Nele o Céu e a Terra se encontravam e se fundiam em perfeita sinergia e abençoadora sintonia. Para Jesus, o Pai nosso está no Céu e o Céu está na Terra pois em sua existência terrena manifestava-se abundantemente a Essência Divina. Não precisava ir para o céu para habitá-lo, ou para encontrar-se com o Pai, pois nEle o céu se fazia e Deus se expressava. Para Jesus, não era nenhum mistério saber onde morava o seu Pai, o Pai Nosso; declarava que quem, com olhos bons, para Ele olhasse, veria o próprio Deus.
Quanto ao paradeiro de meu pai e a dimensão existencial assumida após sua passagem desta vida, são possíveis várias teorias, dependendo das crenças de quem as formular. Sei, entretanto, que enquanto eu viver morará ele agradável e alegremente em meu coração e em meus pensamentos.
No que tange à morada de Deus, do Pai Eterno, gosto da história contada por Osho. Conta que "quando Deus criou o mundo, passou a viver nele, no mercado. Mas sua vida estava se tornando um tormento cada vez maior porque as pessoas não paravam de trazer-lhe queixas: a mulher de fulano está doente, o filho de sicrano morreu, beltrano não consegue arrumar emprego - todos os tipos, todas as espécies de queixas. E as pessoas nem ao menos se preocupavam se era dia ou noite: vinte e quatro horas por dia ele ouvia queixas e, naturalmente, já não aquentava mais.
Finalmente, consultou seus assessores que disseram: - Em primeiro lugar, foi um erro criar o mundo. Agora fuja ou estas pessoas irão matá-lo. Mas Deus disse: - Fugir para onde? Alguém sugeriu: - Para o Everest. Deus retrucou: - Vocês não conhecem o futuro. Conheço o passado, o presente e o futuro. Logo um sujeito vai chegar lá.
E, logo que me ver, o mesmo problema vai aparecer: Por toda parte haverá ônibus, estradas, aeroportos, restaurantes, hotéis... Porque as pessoas irão lá para queixar-se de problemas e dificuldades. A mesma coisa vai recomeçar.
Alguém falou: - Então, é melhor que você vá para a Lua. Disse Deus: - vocês não entendem. Não há um único lugar em todo o mundo, onde o homem não consiga chegar algum dia.
Um velho assessor, que costumava falar raramente, segredou ao ouvido de Deus: - Sei de um lugar onde o homem nunca chegará: simplesmente dentro dele. Ele vai procurar em toda parte. Mas nunca dentro de si mesmo. E Deus respondeu: - Isso parece ser sensato. Desde, então, Deus mora dentro de você".
Na Bíblia sagrada dos cristãos, encontram-se várias citações que apontam para esta verdade. Declaram que somos "o templo onde Deus, em Espírito, habita"; que "o reino de Deus está dentro de nós". No livro de Salmos, uma declaração em especial me cativa ao afirmar que "Há um rio, cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo". O texto aponta para as moradas de Deus, uma cidade de Deus que, lembrando Santo Agostinho, é composta pelos filhos da Luz. É ainda de Jesus a declaração: "na casa de meu Pai há muitas moradas".
Para todos os que buscam encontrar Deus, eis o segredo de sua morada: Ele habita dentro de cada um de nós e aí espera ser encontrado. Se desejarmos encontrá-lo, necessário ser faz ir para dentro. Chegamos a Ele entrando no quarto secreto de nossa existência, sentindo e ouvindo o coração, neste santo dos santos onde mora a essência divina, a alma humana. O silêncio, a meditação e a oração nos conduzem ao ninho da alma, à morada do Pai Nosso.
[Oliveira Fidelis Filho]
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